

Discover more from Pausa para o chá
Quem me acompanha pelas redes ou leu a última edição dessa news, já sabe que eu mudei de país. Sim, de novo. Depois de dois anos e meio de Lisboa, refizemos as malas, encaixotamos as canecas compradas em viagens, as roupas, os livros e o sofá dos sonhos. Enrolamos em camadas de plástico bolha todas as outras coisas que eu até esqueci que tinha nesses quase cinco meses que separaram a mudança da nossa casa de Lisboa pra nossa nova casa em Barcelona.
Foram muitas as semanas nos adaptando e readaptando a casas temporárias. Porque foram 3 casas temporárias em 5 meses. Sabe aquela sensação gostosinha de levantar da cama e ir de olho semicerrado até o banheiro porque esse espaço já é velho conhecido da sua mente e dos seus músculos? Deveria ser mais valorizado. Não vou nem mencionar a de saber onde cada chave de luz está. Arrepio só de pensar.
Chegou num ponto em que a gente tava exausto. De se readaptar. De não saber mais se tem ou não tal coisa, de ir cozinhar uma coisa e simplesmente faltar a panela. De revirar mala mil vezes atrás de algo que, no auge do não ter espaço, a gente se desfez. Parece banal, materialista - e tudo bem se fosse só isso - mas também é uma saudade da estabilidade e da proteção que esse conjunto de paredes, móveis e ilustrações penduradas me fazia sentir.
Eu sei que nem sempre é assim, mas há muitos anos casa pra mim é o lugar de tirar os filtros e ser eu, até as partes que não revelo ou gostaria de ser. O canto físico em que física e metafóricamente tiro o sutiã ou o sapato depois de um dia inteiro e sinto que, ahhh, tô livre. Que me envolvo nas cobertas com cheirinho de aconchego.
Perder esse espaço - tanto na primeira quanto na segunda vez - me deixou num exaustivo estado de alerta. Pra não encostar a xícara na mesa dos outros e marcar, pra tentar memorizar onde fica cada coisa que não me pertence e não tirar nada do lugar. Pra passar invisível, sem deixar marcas. Pra não habitar. E aí, tal qual a cantada, se a cada desabitar sumisse um pedacinho do meu porto seguro… epa! Cadê eu?
Na primeira vez que eu senti tudo isso, lá em 2020, minha terapeuta da época disse que eu - e a família de dois que eu tinha formado com meu companheiro - era a casa de verdade. Esse cantinho em que a gente se deixa ser vulnerável, que nos acolhe, que está ali, mesmo quando todo o resto não está. E isso me bateu de jeito, mesmo já tendo ouvido mil vezes aquela música belíssima sobre ser o seu próprio lar.
Porque precisa de muita reforma pra gente se tornar uma boa morada. Pra conseguir fechar os olhos sentir aqui dentro um aconchego similar ao do cobertor peludinho que está em cima da cama. Pra abraçar a bagunça e também pra organizar o que a gente amassa e joga pra dentro do armário. Pra se celebrar e olhar para aquela conquista com o mesmo brilho que olha pro lustre que parece de paetê ali tamborilando na sala. Pra passar um mop bem esfregado no que precisa ir. Pra ter carinho pelas “marcas de uso“, porque essa é uma casa viva, em movimento.

E vamo falar a verdade, tem dias que reformar é um saco e a gente só queria a mansão milionária com piscina e grama verdinha ao invés de ir lá colar mais um mísero azulejinho no meio do caos. Mas se tem uma coisa que eu aprendi na minha última empreitada, é que se a gente não faz o trabalho de formiguinha de se construir, se fortalecer, se decorar, a casa desaba. Não tem outro caminho.
Talvez demore mais do que a gente gostaria, porque você sabe, obra sempre atrasa. Mas um dia, lá na frente, cê vai estar sentada naquele espaço que planejou e vai pensar: putz, era isso. Então, vai perceber um puxador que não funciona, um tapete que deixou de combinar. Vai arregaçar as mangas e reformar. Criar uma nova casa, no seu velho lar.
Vamos de dicas?
Hoje eu tenho uma série bem gostosinha e um livro que eu gostaria de ter lido muito antes, mas que chega em boa hora independentemente do momento que você escolher escolhe-lo.
Girls5eva, Netflix
Uma comédia gostosinha pra assistir à noite ou maratonar naquele fim de semana chuvoso, Girls5eva traz piadas muito bem colocadas, que satirizam com maestria a indústria do pop e das boy/girl bands.
A série conta a história da banda fictícia Girls5eva, o clássico grupo que teve um único sucesso nos anos 90 e depois caiu no ostracismo. Corta para 2021 e um jovem rapper usa esse antigo hit como base para um single, o que parece a oportunidade perfeita para um retorno das girls ao palco.
Se você gosta do tipo de humor de Unbreakable Kimmy Schmidt, Parks and Recreation ou The Good Place, pode dar play tranquila que uma dose generosa de humor está garantida. Tina Fey é uma das produtoras da série e seu estilo de comédia está muito presente nos flashbacks hilários, referências à tv e indústria musical da época e uma quantidade enorme de piadas que fazem a gente gargalhar dos absurdos que vivemos nos anos 90 e 2000.
A química entre as 4 protagonistas também é muito boa e os episódios curtinhos passam rápido, sem que a gente queira parar de assistir.
O avesso da pele, Jeferson Tenório
Talvez você já tenha lido esse antes, já que o livro teve muita aclamação pública e ganhou um Prêmio Jabuti, apenas o mais tradicional prêmio literário do Brasil, em 2021. Pois ele já estava em minha estante há um tempo, mas, numa tentativa de fugir de todo livro, série ou filme que me fizesse chorar, deixei pra depois. 2022 foi um ano puxado e achei que, se desaguasse, talvez não parasse mais, assunto pra um outro texto.
Eis que li O avesso da pele em três dias, porque parecia impossível parar. A história é narrada por Pedro, que busca de reconstruir e desvendar seus pais - em especial o pai, Henrique. Entre os relatos da sua própria infância e da vida inteira do pai, ele vai construindo uma colcha de retalhos carinhosa e áspera, que envolve mas também machuca.
Uma colcha composta por racismo estrutural, relacionamentos abusivos e a falta de motivação de um professor de escola pública depois de tantos anos “repetindo“ as mesmas aulas para alunos tão ou mais desmotivados que ele mesmo. O episódio em que Henrique consegue cativar seus alunos adultos é de uma beleza que me pegou desprevenida. E aqui vale destacar a escrita precisa e delicada de Jeferson, que nos conduz com calma e urgência pelas ruas de Porto Alegre.
É fácil acabar em prantos porque essa é a história de muitos em nosso país: guardar em si a saudade e reconstruir o que sobra de seus filhos, pais, amores, levados por uma polícia assassina, racista e impune. Sinto que esse livro é daqueles pra ficar reverberando dentro da gente por muito tempo - o que, convenhamos, é um triunfo nada fácil de alcançar.
Extra: estreou Daisy Jones & The Six!!!! A essa hora eu ainda não devo ter começado a assistir, mesmo assim, fica a dica de já ir de play no Prime Vídeo porque promete ser tu-do!!!
Bom, é isso!
Nos lemos em breve,
Marcie.