Só tem no Brasil
Uma coletânea de todas as coisas que eu senti saudade e aprendi a valorizar muito mais depois da distância
Fazia dois anos que eu não voltava pro Brasil. E se considerar que a primeira vez que eu voltei a gente ainda estava em uma pandemia bem complicada, talvez dê pra dizer que fazia quatro anos que eu não vivia meu país direito. Então escrever que eu estava saudosa é o mínimo. Eu estava ansiando chegar. Muito pelas pessoas que eu amo, mas também por todas as cores, aromas e sabores. Por esse jeitinho brasileiro de ser caloroso. Eu coloquei meu pé no aeroporto e já tava sorrindo da moça fazendo barraco com o uber que cancelou com ela, mas foi pro aeroporto buscar outra pessoa. “Ai, ai, como é bom estar de volta”, pensei.
Tem uma coisa muito maluca em voltar, em reencontrar as ruas que você caminhou a sua vida inteira. Porque, ainda que familiares, elas parecem distintas. Quase um cenário de algo que não existe mais. Fiquei um tempão processando essa sensação de familiaridade versus estranhamento. Parece que a frase clássica de que a gente nunca entra duas vezes no mesmo rio fez completo sentido. As ruas não são mais as mesmas, eu então… nem se fala.
Eu sigo com a memória muscular do bairro em que morei por 4 anos. Fiz a caminhada nostálgica de ir da Redenção até em casa, passando pelo Zaffari da Lima e Silva pra comprar um Naturale - muitas coisas gaúchas, já peço perdão de antemão caso cê não fale gauchês, mas, em tradução livre, pensa que é um caminho de um parque famoso até o melhor mercado para comprar o maior suco de laranja de todos kkk - e meio que senti esse quentinho no coração em pensar que era assim que acabava a maioria dos meus domingos, mas, ao mesmo tempo, não sentia a mesma emoção, o mesmo aconchego de uma vida que já vivi.
Talvez pareça óbvio que eu me sinta assim. As coisas são familiares, mas não necessariamente me completam como faziam antes. Estar em Porto Alegre para mim talvez tenha sido um pouco como aqueles álbuns de família que a gente abre com carinho de tempos em tempos. Que nos faz sorrir e lembrar das coisas bonitas que a gente viveu, que nos faz gargalhar de vergonha das nossas fases mais questionáveis. Tem muito da nossa vida nesse álbum. Alguns dos afetos, os momentos mais marcantes. É por isso que é sempre bonito revisitar a cidade, quem eu fui, as pessoas que eu amo. Mais que isso, criar novas memórias com as mesmas pessoas, nos lugares que a gente ia juntas lá atrás ou em novos que só elas conhecem e querem me apresentar.
Depois de um mês muito bem vivido e uns quinze dias para me recuperar e assimilar tudo, eu queria escrever essa newsletter para enaltecer aquelas coisas que só o Brasil tem, um apanhado de tudo que me faz sentir uma saudade imensa. Então vamos numa lista bastante parcial dessa que vos escreve.
Rio de Janeiro, caipirinha e arroz-feijão-ovo-batata-frita
Nós - Ícaro, Cappuccino e eu - passamos nosso primeiro dia no Brasil no Rio. Essa foi a minha primeira vez na cidade e estou até agora totalmente riodejaneirizada das ideias. Como pode um lugar ser tão belo? A natureza majestosa convivendo com a cidade numa harmonia que só, as praias incríveis… Até o lifestyle de praia de colocar um biquíni, um shortinho ou vestidinho, chinelo e ir viver… Tudo de bom.
A verdade é que o Rio de Janeiro me pegou de surpresa e me embasbacou. Sabe quando o par da comédia romântica vem andando em câmera lenta e você não consegue tirar os olhos dele? Foi isso que o Rio fez comigo, talvez por ser um lugar que na minha cabeça era tipo um cenário, parecia que não existia de verdade para além da tv lá da casa dos meus avós, sabe?
Eu ainda estava meio desorientada, cansadona de tantas horas de viagens - sim, no plural -, então estava tentando me localizar no espaço-tempo, quando vejo as duas montanhas gigantescas, cercadas pelo mar, com pontinhos de verde despontando ao redor. Fiquei sem palavras, o que me acontece bem pouco. Caminhava pelo bairro e o meu olhar voltava sempre para as duas, até que decidimos embarcar no rolê turístico bondinho, para ver tudo de cima, e foi apenas incrível!! Eu queria outros adjetivos, porque lindo não parece o suficiente.
Nesses três anos morando fora, eu já me emocionei com a beleza de muitos lugares - tipo Mallorca, que cê pode conferir nesses vídeos aqui -, já chorei pelo deslumbre das paisagens, mas tive pouco espaço para me emocionar no meu país, não porque faltam lugares incríveis, mas porque sempre me faltou dinheiro para visitar. Sem dúvidas o Pão de Açúcar foi desses lugares que vão ficar marcados para sempre na minha memória, esses lugares em que eu mal acredito que estive, mas que sorrio só de lembrar e quero voltar.
No meio de tanta beleza, me deu um apertinho no coração pensar que eu só tinha uma dia para experienciar tudo. Mas vivi o máximo que poderia e fiz um milhão de coisas que queria em um só dia - obrigada Gui, nosso amigo e guia, pelo roteiro perfeito. Além da manhã no Pão de Açúcar, consegui comer pão na chapa com requeijão em uma padoca, ir a três praias, entrar no mar frio e rebelde, pedir caipirinha em incontáveis quiosques, fazer compras em uma loja incrível e ainda terminar o dia em um boteco com uma cervejinha gelada e queijo coalho.
Na correria de viver muito, eu fui absorvendo o máximo que conseguia, mas tive um míni momento catártico, a confirmação de que “cheguei“. O sol aquecia a pele, de frente para mim estava o mar, uma caipirinha de maracujá e um um pf de arroz, feijão, ovo e batata frita na frente. Não existe, repito, não existe, melhor combinação que essa. Ah, ainda faltou o pagodinho que tava tocando de trilha sonora. Agora sim.
Eu fui muito, muito feliz esse dia. Uma felicidade grande demais de sentir, que precisou de uns dias para eu enteder por inteiro que vivi. E tá, eu sei que o Rio tem seus problemas, mas me dou ao direito de ser uma turista deslumbrada sim e imaginar um lindo apartamentinho de frente para a praia do Botafogo kkk. Rio de Janeiro, você é tu-do, eu quero voltar com mais calma pra te desfrutar direitinho, do jeito que você merece.
Ainda nas menções honrosas alimentares
Como é bom poder comer pão de queijo com requeijão literalmente toda semana!!! E um crepe pós praia, putz! Um xis pra encerrar o domingo… Salgadinho de festa… Polentinha frita… O buffet vegano do Vê! Pastel Romeu e Julieta!!!! Encontrar couve e moranga no mercado e frutas diferentes de maçã-banana-laranja em literalmente qualquer lugar.
Sem dúvidas, minha vida alimentar é muito mais feliz no Brasil. Pode colocar qualquer tapa na mesa que eu troco facinho.
A Casa de Cultura Mario Quintana
Talvez uma das poucas exceções a tudo que eu escrevi até aqui sobre lugares que parecem os mesmos, mas não são, seja a Casa de Cultura Mario Quintana. Eu lembro que desde a primeira vez que visitei, em uma viagem da escola lá na quinta ou sexta série, o antigo hotel todo rosa pastel me deslumbrou. Tinha algo de especial que eu não sabia dizer o que era, mas sentia. E sinto toda a vez que volto lá.
Anos depois, quando eu era só uma pessoa do interior numa cidade que parecia gigante, ver aquele rosa todo despontando no meio da rua me trazia a sensação de casa. E isso é algo difícil de encontrar.
Amo o espaço por si só, a livraria, o café no térreo, as exposições… As feirinhas que acontecem na parte de baixo, o samba que tá rolando em um domingo de cada mês. É pisar nos paralelepípedos da entrada que eu sinto esse carinho gigante, esse conforto. Então fica essa dica para quem ainda não teve o prazer de visitar e também para quem tem a bonita pertinho de si todo dia - porque são muitas programações distintas rolando por lá sempre.
Os livros mais lindos
Um dos pontos altos de viajar para o Brasil para mim é comprar livros. Quando eu me mudei para a Europa, uma das minhas quatro malas - minhas e do Ícaro no caso, tudo que a gente tinha veio nesse espaço - foi dedicada a trazer os meus livros. Quando eu voltei para visitar o Brasil, lá em 2022, trouxe outra de 23 kg recheada deles.
Antes mesmo de comprar minha passagem, já estava montando meu carrinho de leituras, adicionando e removendo opções, salvando para depois. Primeiro porque é muito gostoso ler no idioma da gente, sério, não tem comparação. Segundo porque é dificílimo encontrar versões traduzidas dos livros nacionais - e isso sempre me incomoda, porque o Brasil tem tantos autores incríveis, uma literatura contemporânea gigante, diversa, potente, inventiva e com muito a dizer, mas os livros não ultrapassam nossas fronteiras físicas e de idioma. Nós brasileiros lemos muitos artistas latinos que escrevem em espanhol, porque existe tradução, mas a recíproca não poderia ser menos verdadeira, o que é uma pena.
No último ano eu comecei a me sentir segura o suficiente para ler em outros idiomas e passei a comprar alguns livros aqui. E posso falar? O Brasil tem os livros mais lindos do mundo mesmo - no caso eu não posso falar do mundo inteiro, mas comparado à Europa, com certeza somos muito melhores. Começa pelas artes das capas, pela qualidade do papel e da impressão… Aqui o papel de livro parece uma folha meio de jornal, a capa é geralmente mole, até a letra é pequena.
Eu tenho um grande sonho que é ler A sobra do vento, um dos meus livros favoritos da vida e que se passa em Barcelona, em espanhol, mas não consegui ainda porque queria uma edição especial do livro, com uma letra maiorzinha e simplesmente não existe! No Brasil os livros parecem e são arte. E por isso dá pra achar - ou pelo menos eu achava - que seria assim em qualquer lugar, mas não é.
É claro que essa pobreza das edições faz com que os livros tenham preços populares por aqui, mas, se a gente for converter - e nesse caso, se divertir - sai elas por elas em termos de valor, porém, as edições brasileiras são incomparáveis em termos de qualidade. Eu fiquei muito surpresa mesmo com os livros que comprei, seja as edições lindas da Tag, da Intrínseca, da Dois Pontos… E mostrei todas as minhas compras no canal do Youtube do Pausa para o Chá. Vou deixar aqui embaixo caso seja do seu interesse - e eu acho que é, hein? Tem muita leitura boa por lá!
Uma moda muito da incrível!
O mesmo dos livros vale para a moda. A gente tem criadores muito maravilhosos, um universo de cores, formatos, texturas, estampas… O Brasil é muito único, muito amplo, muito incrível. Sempre que eu volto sinto quase uma ansiedade porque queria me envolver todos os dias com criações da nossa moda nacional. Um sonho um cadinho distante financeiramente falando - ainda tô na parcela 9/10 das coisas que comprei na Farm no ano passado -, mas uma garota pode seguir sonhando.
E para além de Farm, que é um clássico tupiniquim - apesar de já ter lojas fora do país -, aqui fica uma wishlist de coisas que eu queria ter trazido, mas não trouxe, alô marcas, amigos, alguém que queira me presentear em maio quando estarei trintando kkk
A maior parte das pessoas que eu amo
Eu deixei o mais importante para o final, talvez porque seja menos universal do que as outras coisas. Você pode desfrutar e, caso more fora, sentir saudade de um bom prato, um bom livro, do calor que emana não da temperatura mas do jeitinho que a gente se conduz no mundo. Mas a minha família, os meus amigos… Parece algo tão pessoal, que eu até me pergunto se deveria estar escrevendo.
Talvez eu esteja errada. A saudade de quem a gente ama talvez seja mais universal do que um pf generoso ou um pão de queijo saindo quentinho do forno. Quem se afasta geograficamente sempre sente. É difícil se manter presente na vida dos que ficam. Tem um fuso de muitas horas de diferença, todos os eventos importantes da vida um do outro em que a gente não esteve, a falta do toque, da presença física, da rotina, de dividir as mesmas referências. Eu me esforço o que consigo e sinto que não é o suficiente. Que existem coisas que não consigo contar, que falta espaço no dia a dia para dividir o pôr do sol bonito que eu vi ou o encantamento que eu sinto só com andar por aqui.
Com as redes, eu vejo de longe, torço de longe, acompanho sem necessariamente acompanhar de verdade as coisas que acontecem. Meus avós envelhecem, meus amigos começam a namorar, terminam relacionamentos, lançam livros, fazem novos amigos, e eu tô aqui. Com mil novas versões de mim, outros amigos, outros sonhos, outras vontades que eles também acompanham sem acompanhar de verdade. Um story é pouco. Então é lindo voltar e cultivar todas essas amizades.
Conhecer os novos amores, os novos apartamentos, ver como todo mundo mudou, ao mesmo tempo que mantêm as características que sempre amei. É muito especial sentir que parece que o papo de hoje é só uma continuação de uma conversa que a gente deixou na mesa de um bar quatro anos atrás. É mais maravilhoso ainda ter novas conversas, ver como essas pessoas estão diferentes. Eu voltei cheia de orgulho das pessoas que amo - e esse é um sentimento muito gostoso de se ter. É o que me faz já estar contentinha com ter uma data para voltar.
É bom demais voltar. Mas te confesso que também é bom demais ir. Viver o que a gente quer. E saber que, se a vontade bater, sempre tem algum lugar pra voltar, seja ele uma localização no mapa ou um lugar sem endereço que a gente sabe direitinho onde fica.
Como a newsletter de hoje ficou imensa, eu vou reunir as minhas dicas de coisinhas pra ler-assistir-fazer numa próxima, ok? Mas vem aí!
Espero que cê tenha gostado desse texto, lembrando que tem resenha quase toda semana lá no Youtube - é só se inscrever e aproveitar.
Um beijo e até o nosso próximo chá,
Marcie