No comecinho de fevereiro eu fui num evento bem tiktokzável (seria essa a versão atualizada do termo instagramável?): uma noite de pintura e vinhos, algo que eu queria fazer tem muito, mas muito tempo. Num acaso bonito do universo, justo quando eu resgatei e registrei essa vontade nas minhas páginas matinais, chegou o convite no meu e-mail. Era perfeito demais pra dizer não. Então eu não disse.
Cheguei com minhas melhores expectativas e com um auto aviso: você vai se divertir hoje. Eu já falei em textos anteriores sobre a minha tendência a me cobrar demais, um modus operandi que afeta mais esferas da minha vida do que eu gostaria de admitir. Para resolver - ou amenizar - o problema, eu venho tentando ser mais consciente de como eu funciono, para conseguir me brecar da cobrança antes dela chegar. É a melhor abordagem? Eu não sei dizer, mas tem funcionado por aqui.
Entrei no espaço designado para a aula e uma mesa gigante estava no meio da sala. Vinte telas em branco nos encaravam de volta, acompanhadas de alguns pinceis e lápis. A maioria das pessoas tinham ido em grupos grandes, então escolhi a cadeira livre ao lado de uma dupla de amigas, que conversavam animadas sobre o que estava por vir. Taças cheias, aventais postos, paletas de tinta distribuídas. Recebemos nossas instruções e começamos a desenhar um quadro bem genérico: um banco vazio em uma paisagem de natureza.
Meu banco já começou meio torto, tive que passar a borracha na tela, mas, talvez por estar comprometida a pegar leve, talvez pelo vinho, eu estava me divertindo, rindo dos meus descompassos, da minha dificuldade de traçar uma linha reta. E foi nesse ambiente lúdico que eu escutei a primeira reclamação da minha vizinha de mesa “Tá ficando horrível! Olha como não tá parecendo com o dela!” Por dela você entenda o desenho da professora. Meu lado fofoqueira - ou posso dizer, escritora? - deu uma olhadinha para o lado. Um banco bem mais simétrico do que os outros ao redor da sala se revelava. A amiga respondeu “que? o seu tá ótimo!“
A amiga não aceitou o elogio. Fez uma cara feia. Garrafas de vinho passavam e era chegada a hora de pegar nos pinceis. Eu estava leve, misturando cores mil na minha paleta, experimentando opções cromáticas que não eram as sugeridas pela professora. Nesse exercício cromático proposto por mim mesma, fiquei para trás. Achei que não ia conseguir mesclar as cores do meu céu, que já tinha começado estragando tudo. Pedi ajuda, pincelei com branco e o degradê celeste em tons de laranja e lilás foi surgindo. Consegui replicar meu entardecer favorito fora das telas na minha primeira pintura. E essa parte, que eu achei que talvez fosse minha ruína, foi minha parte preferida do quadro inteiro.
Enquanto percebia todos esses processos, me deslumbrava com alguns deles e , às vezes, ria da minha falta de familiaridade com pintar, os comentários depreciativos da minha vizinha me puxavam para a terra. Ela seguia repetindo que não estava bom. Seguia comparando seu possível primeiro quadro com o da pessoa que ministrava a aula, uma pessoa que além de ter conhecimento, já deve ter repetido essa mesma pintura cafona mil vezes. Fiquei em parte irritada com essa desconhecida, mas metade com dó. Talvez os dois sentimentos, apesar de antagônicos, venham do mesmo lugar: a identificação.
Eu já fui - e muitas vezes sou - essa pessoa. Que quer ser muito boa em tudo que se propõe. Que se coloca para baixo quando não atinge padrões praticamente inalcançáveis de excelência. Ver outra pessoa fazendo isso em voz alta do meu lado parecia uma esquete de como a minha cabeça funciona em muitos momentos. E me irritou porque fica evidente o quanto essa cobrança é injusta, como todo esse processo é exaustivo. Com um pouco de culpa, eu confesso que achei a moça chata, uma quebra clima. Eu mesma me sinto chata quando entro nesse espiral.
No fim das contas, essa pessoa não se divertiu em uma aula que era absurdamente despretenciosa. E sei lá, pode ser que o sonho dela seja pintar, mas, mesmo assim, será que esse peso nas costas - ou nos pinceis - não vai mais afastá-la do que aproximá-la desse objetivo? Quando a gente acha que precisa ser boa “de verdade“ desde a primeira vez e não é, porque ninguém, nin-guém, é maravilhoso na primeira tentativa, talvez a gente se impeça de ser maravilhosa em algo no futuro, porque nos frustramos e paramos de tentar. A gente também pode tentar um tempão e nunca ser uma pintora exímia, mas usar a pintura para desopilar, para se divertir já me parece bom o suficiente.
Desde que eu comecei a escrever sobre esse assunto de se cobrar demais aqui na newsletter, muitas amigas, conhecidas e leitoras vieram compartilhar experiências similares. E é um saco. Tem gente que não começa, que começa e para, que fica obcecada em ser perfeita enquanto faz. A gente não descansa. Não nos deixamos errar. E viver envolve errar um montão, quer a gente queira, quer não.
Eu não falei nada disso para essa desconhecida. Me pareceu íntimo demais, uma intromissão. Mas pensei em te escrever na hora. Para contar que eu não sou a próxima Frida, mas que me diverti horrores e estou pensando em comprar telas e tentar pintar em casa, só para relaxar. Para dividir que nesse dia tão atipicamente leve para mim, fui confrontada com a versão live action de como é duro ouvir alguém nos dizendo as coisas que a gente se diz. Dá um apertinho no estômago. Porque não é justo sentir essa pressão. Mas a gente sente e precisa aprender a lidar com ela. Também, escrevo para dizer que, sendo mais autoconsciente, a gente talvez consiga se levar menos a sério, desfrutar mais dos processos, dos rabiscos, das manchinhas de tinta que destoam da paisagem perfeita que a gente está tentando esboçar.
Em uma noite de fevereiro eu não quis pintar igual a alguém que pinta há anos. Minhas proporções tavam erradas? Sim. Mas descobri que eu amo escolher as cores e misturar as tintas. Que, para os meus parâmetros, eu sou inclusive boa nisso. Algo que eu não descobriria se ficasse me censurando. Nem sempre é fácil e delicioso, mas a gente pode dar conta. De ir soltando a mão - esteja ela portando um pincel ou não.
Dicas para acompanhar o chá
Uma seleção de livros e newsletter para acompanhar os seus momentos de pausa.
Mulheres vestindo mulheres
Desde que eu li o título dessa newsletter da Thereza - inclusive, se você não assina, fica a dica - eu sabia que ia ser um texto importante, que dá corpo a algo que eu vinha pensando de forma meio imaterial há muito tempo. Por que quem continua “ditando“ o que as mulheres vão vestir são homens? Partindo do dia internacional da mulher e dos desfiles das semanas de moda internacionais, o texto é uma análise bem boa, para a gente pensar.
Copio um trechinho da news, que pode ser conferida nesse link:
“A moda é uma ferramenta poderosa na construção da identidade. A influência masculina nesse processo levanta questões sobre quem detém o poder de narrar e definir as experiências femininas. O terreno dos sonhos e desejos é uma ferramenta importante na criação de moda, mas é preciso caminhar junto com os tempos, reconhecendo as verdadeiras necessidades do público para o qual você está criando. Na moda, sintonia é uma palavra chave.” - Camila Yahn,
Nora sai do roteiro, Annabel Monaghan
Chegando com um daqueles livros leves e gostosinhos de ler, perfeito para quem amava uma boa fanfic entre famosos e pessoas anônimas. O livro vai contar a história de Nora, uma mãe solo recém divorciada que escreve roteiros para comédias românticas, que vai viver uma reviravolta após conhecer Leo, um astro de cinema mega famoso.
Eu até poderia te contar mais, porém, gravei um vídeo inteirinho falando desse livro lá no Youtube. Sendo assim, num esquema faço minhas as minhas palavras, te recomendo ir de play.
O que vem por aí
Como quem me segue no Instagram já sabe, eu estou em solo brasileiro no mês de março e aproveitei pra me descontrolar e comprar 32 livros kk. Na verdade, essa compra não teve nada de descontrole, foi muito planejada e pensando no que eu vou ler o ano inteiro - e talvez no comecinho de 2025 também.
E aí, com o objetivo de dar um gostinho do que serão as nossas leituras em 2024, sim, esse é um convite pra você ler comigo, gravei esse vídeo mostrando a primeira parte das compras, com um breve resuminho das sinopses. Vou te confessar que não é porque a lista é minha, mas está me parecendo MUITO promissora. Vem conferir!
É isso, espero que cê tenha gostado desse texto e que ele inspire você a se aventurar e se divertir na pintura ou em qualquer outra coisa que esteja nos seus planos!
Um beijo e até o nosso próximo chá :)
Boa tarde! Enquanto tomo um cházinho no meio do expediente parei pra ler essa newsletter maravigold! Só queria saber que evento foi esse, é exatamente o tipo de coisa que eu amaria participar